terça-feira, 31 de janeiro de 2012

3 poemas de autores portugeses


Liberdade 

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.

O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...


                          Fernando Pessoa
 
 
 
Florbela Espanca (1894-1930)
FANATISMO

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer a razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

«Tudo no mundo é frágil, tudo passa...»
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:
«Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!...»
 
  
 
Adorai, montanhas 

Adorai, montanhas, 
o Deus das alturas, 
também das verduras. 

Adorai, desertos 
e serras floridas, 
o Deus dos secretos, 
o Senhor das vidas. 
Ribeiras crescidas, 
louvai nas alturas 
Deus das criaturas. 

Louvai, arvoredos 
de fruto prezado, 
digam os penedos: 
Deus seja louvado! 
E louve meu gado, 
nestas verduras, 
o Deus das alturas. 

Gil Vicente

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