Liberdade Ai que prazer Não cumprir um dever, Ter um livro para ler E não o fazer! Ler é maçada, Estudar é nada. O sol doira Sem literatura. O rio corre, bem ou mal, Sem edição original. E a brisa, essa, De tão naturalmente matinal, Como tem tempo não tem pressa... Livros são papéis pintados com tinta. Estudar é uma coisa em que está indistinta A distinção entre nada e coisa nenhuma. Quanto é melhor, quando há bruma, Esperar por D. Sebastião, Quer venha ou não! Grande é a poesia, a bondade e as danças... Mas o melhor do mundo são as crianças, Flores, música, o luar, e o sol, que peca Só quando, em vez de criar, seca. O mais do que isto É Jesus Cristo, Que não sabia nada de finanças Nem consta que tivesse biblioteca... Fernando Pessoa
Florbela Espanca (1894-1930) FANATISMO Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida Meus olhos andam cegos de te ver! Não és sequer a razão do meu viver, Pois que tu és já toda a minha vida! Não vejo nada assim enlouquecida... Passo no mundo, meu Amor, a ler No misterioso livro do teu ser A mesma história tantas vezes lida! «Tudo no mundo é frágil, tudo passa...» Quando me dizem isto, toda a graça Duma boca divina fala em mim! E, olhos postos em ti, digo de rastros: «Ah! Podem voar mundos, morrer astros, Que tu és como Deus: Princípio e Fim!...»
Adorai, montanhas
Adorai, montanhas,
o Deus das alturas,
também das verduras.
Adorai, desertos
e serras floridas,
o Deus dos secretos,
o Senhor das vidas.
Ribeiras crescidas,
louvai nas alturas
Deus das criaturas.
Louvai, arvoredos
de fruto prezado,
digam os penedos:
Deus seja louvado!
E louve meu gado,
nestas verduras,
o Deus das alturas.
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Gil Vicente
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